segunda-feira, 26 de março de 2007

O mendigo ou das questões existenciais

Por Jarbas F. Cardoso*
"A morte é a possibilidade constante de impossibilidade.”
M. Heidegger
Estava à janela do meu apartamento questionando-me sobre pequenos problemas existenciais. Questionamentos que mais dias, menos dias, todos os bípedes racionais iram se fazer. Pensava comigo: sou mesmo um medíocre, um poltrona, preciso mesmo é impor minhas vontades contra tudo e contra todos. A vida em sociedade é um estigma em aberto. Fumava, não faço isso, quer dizer, não fazia, fumava talvez porque inconscientemente tentava acelerar o processo da finitude. Fumando aclamava as mazelas da vida ao mesmo tempo em que contemplava da janela o mundo, quando me deparei com um ser semelhante a mim que também contemplava. Era um homem de sei lá, uns 37 anos, branco, sujo, barba e cabelos por fazer, sem camisa, tênis sem cadarços, com os dedões dos pés a mostra e sua calça por cair. Novamente pensei: eis ali o autêntico cínico, seguidor de Diógenes de Sínope, possuidor de autodomínio espiritual e de sua felicidade. Eis ali o verdadeiro combatente do prazer e da luxuria. Como? É os cínicos combatiam o prazer, o desejo e a luxúria. Para eles isso os impedia de possuir auto-suficiência. O mendigo contemplava. Seu contemplar era diferente, despreocupado, como que se o mundo dele fosse outro e que o nosso não o interessava. Despreocupado revirava algumas latas de lixo. Olhava as pessoas passarem. Parou e calmamente sentou-se. Seu comportamento era como que se, no fundo, com a sua ação tenta-se nos dizer:
- Seus tolos.
- Seus escravos.
- Olhem..., olhem minha vida! Isso é que é desfrutar da liberdade!
- Não sou como vocês, mas nem por isso deixo de estar bem.
- Bem comigo mesmo, bem com meu espírito.
- Eu sou como quero ser, sou livre! E vocês?
Questionei-me novamente: claro, ele de fato é livre, nós... talvez! Mas nossa liberdade, se existente, apresenta-se enclausurada em um único padrão, em uma procura constante de algo que não sabemos ou que não temos certeza. O mendigo ali sob meu olhar continuava a provocar. Todas as pessoas que ali passavam, toda a realidade era desafiada por ele. Ele não demonstrava a menor preocupação com roupa, com banho, com o que as pessoas vão pensar ou, por exemplo, com o que eu iria achar. Sua liberdade era em demasia superior a tudo. O tempo era construído por ele mesmo, assim como o belo, o bem e a verdade eram todos regidos por suas vontades. É claro que ele lutava pela vida, a luta pela vida é algo implícito a todos os seres vivos. O diferente nele é que o próprio conceituava o sentido. Decidia quando deveria lutar ou não pela vida. Enfim, o mendigo era ele mesmo uma mescla de indivíduo, mundo e o todo. Naquele momento estupefato com a mais autentica manifestação de auto-suficiência que tanto almejava, lembrei-me que existia. – E nós somos o quê? – Claustrofóbicos sociais, regidos por um sistema massificante que nos é imposto? Verdade, belo, bem, certo e liberdade é uma construção da qual lutamos muito, mas talvez pouco desfrutamos.
- Quem sou eu?
- Quem são vocês?
- Ouso em dizer, somos a tirania do coletivo, somos o bicho social.
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[*] Professor da Escola Técnica Irmão Pedro, Porto Alegre, RS.
Texto Publicado no Site Extemporâneo em 15/12/2006.

Um comentário:

Anônimo disse...

Será que ele é livre? Qual o conceito de liberdade? Estar fora das "normas" sociais? Quais eram seus desejos? Será que ele está livre deles?